quarta-feira, 14 de abril de 2010
TRÍADE DO PÓ I
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vai produzir efeito colateral '- diz o carona do carro. amigo de infância meu e de marcelo.
'o que vai produzir efeito colateral?'
'isso. isso tudo. nós. eles. o mundo. ressaca.'
olhei para marcelo, que ria enquanto soltava bafo e desenhava - respectivamente - no vidro embasado.
eram 23:46. terça-feira. e nós decidimos sair, e pegar a estrada. por que é condição: filhos da liberdade vã.
marcelo é filho de meu pai, com sua primeira mulher; não fosse por esse detalhe sórdido teria encontrado meu cais.
caos foi tê-lo a adolescência inteira, deitado a beira da cama e balbuciando: 'minha irmãzinha'. dou créditos aos vícios pagões. não fosse tão amarrado: irmão. irmão. irmão.
vivemos bem. nos amamos feito irmãos. do jeito como deve ser. ignoro o fato dele ser tão temívelmente meu. ignoro as pestanas enormes. os olhos azuis, que pedem para mudar de cor. os pêlos aloirados. e o hálito matinal doce. ignoro. nem lembro. nem faço menção. meu irmão.
'acho que deveríamos sair daqui. onde estamos?' - diz marcelo, apertando os olhos com as mãos.
'você quis parar. não sei, por mim fumaríamos andando.'- sentia incrível repúdio ao tom niilista com que lucas dizia suas frases prolixas. 'esse tom niilista me fere.'
'também acho melhor irmos. tô ficando com fome.'
'você sempre tá com fome, alice. vamos encher o tanque?'
'tenho pouco dinheiro, pra onde vamos? só rodar? se for só rodar tô fora...não dou um caralho.'
'você sempre muito cordial, não? lucas!' - fite-o com olhar maledicente. oras, que saia do carro e nós deixe! o intruso aqui é você, meu amigo! contive-me, pois sabia que marcelo considerava o cabrón.
Há 3 anos não nos encontrávamos. por falta tempo. por medo. por displicência...é a vida de responsabilidade, a vida adulta. a vida chata. 'invertemos e comemos a sobremesa antes do prato principal.'
a mulher de marcelo me odiava. e eu, como boa escorpiana que sou, retribuía da melhor maneira possível.
eram casados a pouco tempo, cerca de 2 anos. não fui ao casamento. estava sóbria de mais para encarar a realidade de peito aberto, salto 15 e sorriso na cara.
eu era a madrinha. uma das madrinhas. mas a única que desejou fortemente que alguém fosse capaz de gritar: sim, eu tenho ago contra verônica! ela é casada! tem 5 filhos! quer dar o golpe do baú inverso! [...] ou simplesmente: um cara se levanta, ao fundo. ela olha para ele, relembra sua adolescência, seu amor de verão de 99 - aquele nunca esquecido - ele declama vinícios de moraes, ela chora. ela ri com canto dos lábios. ele treme. ela treme. os dois se olham e ignoram o fato de ter exatos 150 convidados. cometem um pecado na igreja mais conhecida da cidadezinha do interior. transam ali mesmo. ao som da marcha nupcial. marcelo me procura com olhar: cadê meu amor? estou livre! estava cego! eu entro em câmera lenta: salto 18, vestido de vinil - preto. começa a tocar sister of mercy, os convidados desaparecem envoltos na fumaça cor-de-pecado, bordô. marcelo toca meus lábios com dedo indicador. 'seus cílios são enormes' - penso. me beija logo, amor...
e depois disso...depois disso não consigo mais imaginar nada. seca. pedra. insípida.
é claro que casaram; e que verônica não tinha nenhum amante, e que nunca terá. é tão óbvio, ela é tão óbvia!
lucas também não foi ao casamento. estava numa de suas viagens maravilhosas. numa de suas viagens que vem com pacote de egocentrismo e prepotência:'não cara, você não estava lá, não viu o que vi. momento histórico. é sinestesia. foi tudo na encolha, tudo no submundo chileno, um turista qualquer não tem esses esquemas. eu consegui desenrolar num papo...'
filho único de pais separados: mimado. o conheci através de marcelo, quando éramos criança. ou melhor, quando eu era criança. nossa diferença de idade é de 4 anos. pouca, hoje em dia.
Lucas é um vagabundo nato. dizia que mudaria o mundo, com aquele velho discurso de burguês revoltado, aquele típico adolescente. mal conseguiu mudar o rumo da vida. não há tanta compaixão assim no peito de lucas. quando era mais nova o admirava. e ele falava tanto em paz e amor e liberdade - em viver em função do que há pra ser vivido: seu rumo - que por um descuido absurdo de rotas acabei me apaixonando.
eu tinha 18 anos, quando num verão qualquer - muito calor - nos despimos no quarto da tia cida.
e os olhos dele fechado olhando meus olhos abertos - 'em que ele pensa?'.
eu imaginava o quanto o corpo de marcelo pesava - nu. e seu seu obliquo me machucaria. e se seus pêlos fizessem algum tipo de forma estrutural...mas eu estava ali com lucas; e seus pêlos eram ralos, e seu oblíquo me machucava, e ele pesava poeticamente sobre mim.
o fato de amar lucas ás terças e sextas não borrava o quadro de amor patológico que sentia por marcelo; pelo contrário, me sentia mulher o sufuciente para deslizar charme inrustido.
e quando ouvia cazuza - e declamava, olhando para aqueles olhos-mar, e suplicando: desagua em mim, deságua em mim, deságua? - ele parecia me compreender - fechava os olhos e me deixava declamar em final - deságuo.
'não é possível que você não tenha dinheiro, lucas.'
'nadinha. pô, eu tô quebrado. você tá por fora, depois que meu pai morreu as coisas ficaram fodidas lá em casa.'
'e as festas da sua mãe?'
'você acha que hoje em dia minha mãe tem alguma credibilidade? entram pingado, um pouco lá, um pouco aqui. os imóveis e tudo mais...mas tá foda, alice.'
achei inconveniente perguntar quem é que bancava as viagens mirabolantes que ele fazia.
houve um época em que eu conseguia imaginar lucas como michê. garoto de programa. prostituto. na melhor das hipóteses: cafetão.
ele não fazia o perfil, mas há perfil para isso?
'vamos, eu tenho cartão de crédito aqui' - não entendia o motivo de marcelo ter nos chamado para - a já tarde - reunião da tríade. tinha de fato subvertido á idéia de ser completamente apaixonada por meu irmão. de estar fadada á negligência eterna.
'ele quer esfregar na minha cara o quanto é feliz com sua mulherzinha paulista, de traços finos e que nunca vai traí-lo! quer nós dar alguma lição de sua vida perfeita. quer nos enfeitiçar com seu pó mágico de felicidade eterna.'
quando tentei beijá-lo lá pelos meus 11 anos, ele ficou inerte. não trocamos uma palavra por seis meses. eu não sabia que as coisas funcionavam por uma dialética que ignorava o amor fraterno - sim, era fraterno: 11 anos - eu não sabia que o amar tinha restrições. ele não contou á ninguém. voltamos a nos falar e subvertemos. nada havia acontecido. tirando o fato dele me boicotar em algumas cenas da vida real. já não tomávamos banho juntos e nem dormíamos na mesma cama.
'marcelo, bota quanto de gasolina?'
'ah, enche o tanque.'
'vamos pra onde marcelo?'
marcelo me olhou como a muito não olhava. deitou a ponta de seus dedos em meu rosto. quase entreguei o amor foragido. chegou o mais perto que pôde - maldito cinto de segurança - e disse-me em tom melindroso: espera, morena.
'o que vai produzir efeito colateral?'
'isso. isso tudo. nós. eles. o mundo. ressaca.'
olhei para marcelo, que ria enquanto soltava bafo e desenhava - respectivamente - no vidro embasado.
eram 23:46. terça-feira. e nós decidimos sair, e pegar a estrada. por que é condição: filhos da liberdade vã.
marcelo é filho de meu pai, com sua primeira mulher; não fosse por esse detalhe sórdido teria encontrado meu cais.
caos foi tê-lo a adolescência inteira, deitado a beira da cama e balbuciando: 'minha irmãzinha'. dou créditos aos vícios pagões. não fosse tão amarrado: irmão. irmão. irmão.
vivemos bem. nos amamos feito irmãos. do jeito como deve ser. ignoro o fato dele ser tão temívelmente meu. ignoro as pestanas enormes. os olhos azuis, que pedem para mudar de cor. os pêlos aloirados. e o hálito matinal doce. ignoro. nem lembro. nem faço menção. meu irmão.
'acho que deveríamos sair daqui. onde estamos?' - diz marcelo, apertando os olhos com as mãos.
'você quis parar. não sei, por mim fumaríamos andando.'- sentia incrível repúdio ao tom niilista com que lucas dizia suas frases prolixas. 'esse tom niilista me fere.'
'também acho melhor irmos. tô ficando com fome.'
'você sempre tá com fome, alice. vamos encher o tanque?'
'tenho pouco dinheiro, pra onde vamos? só rodar? se for só rodar tô fora...não dou um caralho.'
'você sempre muito cordial, não? lucas!' - fite-o com olhar maledicente. oras, que saia do carro e nós deixe! o intruso aqui é você, meu amigo! contive-me, pois sabia que marcelo considerava o cabrón.
Há 3 anos não nos encontrávamos. por falta tempo. por medo. por displicência...é a vida de responsabilidade, a vida adulta. a vida chata. 'invertemos e comemos a sobremesa antes do prato principal.'
a mulher de marcelo me odiava. e eu, como boa escorpiana que sou, retribuía da melhor maneira possível.
eram casados a pouco tempo, cerca de 2 anos. não fui ao casamento. estava sóbria de mais para encarar a realidade de peito aberto, salto 15 e sorriso na cara.
eu era a madrinha. uma das madrinhas. mas a única que desejou fortemente que alguém fosse capaz de gritar: sim, eu tenho ago contra verônica! ela é casada! tem 5 filhos! quer dar o golpe do baú inverso! [...] ou simplesmente: um cara se levanta, ao fundo. ela olha para ele, relembra sua adolescência, seu amor de verão de 99 - aquele nunca esquecido - ele declama vinícios de moraes, ela chora. ela ri com canto dos lábios. ele treme. ela treme. os dois se olham e ignoram o fato de ter exatos 150 convidados. cometem um pecado na igreja mais conhecida da cidadezinha do interior. transam ali mesmo. ao som da marcha nupcial. marcelo me procura com olhar: cadê meu amor? estou livre! estava cego! eu entro em câmera lenta: salto 18, vestido de vinil - preto. começa a tocar sister of mercy, os convidados desaparecem envoltos na fumaça cor-de-pecado, bordô. marcelo toca meus lábios com dedo indicador. 'seus cílios são enormes' - penso. me beija logo, amor...
e depois disso...depois disso não consigo mais imaginar nada. seca. pedra. insípida.
é claro que casaram; e que verônica não tinha nenhum amante, e que nunca terá. é tão óbvio, ela é tão óbvia!
lucas também não foi ao casamento. estava numa de suas viagens maravilhosas. numa de suas viagens que vem com pacote de egocentrismo e prepotência:'não cara, você não estava lá, não viu o que vi. momento histórico. é sinestesia. foi tudo na encolha, tudo no submundo chileno, um turista qualquer não tem esses esquemas. eu consegui desenrolar num papo...'
filho único de pais separados: mimado. o conheci através de marcelo, quando éramos criança. ou melhor, quando eu era criança. nossa diferença de idade é de 4 anos. pouca, hoje em dia.
Lucas é um vagabundo nato. dizia que mudaria o mundo, com aquele velho discurso de burguês revoltado, aquele típico adolescente. mal conseguiu mudar o rumo da vida. não há tanta compaixão assim no peito de lucas. quando era mais nova o admirava. e ele falava tanto em paz e amor e liberdade - em viver em função do que há pra ser vivido: seu rumo - que por um descuido absurdo de rotas acabei me apaixonando.
eu tinha 18 anos, quando num verão qualquer - muito calor - nos despimos no quarto da tia cida.
e os olhos dele fechado olhando meus olhos abertos - 'em que ele pensa?'.
eu imaginava o quanto o corpo de marcelo pesava - nu. e seu seu obliquo me machucaria. e se seus pêlos fizessem algum tipo de forma estrutural...mas eu estava ali com lucas; e seus pêlos eram ralos, e seu oblíquo me machucava, e ele pesava poeticamente sobre mim.
o fato de amar lucas ás terças e sextas não borrava o quadro de amor patológico que sentia por marcelo; pelo contrário, me sentia mulher o sufuciente para deslizar charme inrustido.
e quando ouvia cazuza - e declamava, olhando para aqueles olhos-mar, e suplicando: desagua em mim, deságua em mim, deságua? - ele parecia me compreender - fechava os olhos e me deixava declamar em final - deságuo.
'não é possível que você não tenha dinheiro, lucas.'
'nadinha. pô, eu tô quebrado. você tá por fora, depois que meu pai morreu as coisas ficaram fodidas lá em casa.'
'e as festas da sua mãe?'
'você acha que hoje em dia minha mãe tem alguma credibilidade? entram pingado, um pouco lá, um pouco aqui. os imóveis e tudo mais...mas tá foda, alice.'
achei inconveniente perguntar quem é que bancava as viagens mirabolantes que ele fazia.
houve um época em que eu conseguia imaginar lucas como michê. garoto de programa. prostituto. na melhor das hipóteses: cafetão.
ele não fazia o perfil, mas há perfil para isso?
'vamos, eu tenho cartão de crédito aqui' - não entendia o motivo de marcelo ter nos chamado para - a já tarde - reunião da tríade. tinha de fato subvertido á idéia de ser completamente apaixonada por meu irmão. de estar fadada á negligência eterna.
'ele quer esfregar na minha cara o quanto é feliz com sua mulherzinha paulista, de traços finos e que nunca vai traí-lo! quer nós dar alguma lição de sua vida perfeita. quer nos enfeitiçar com seu pó mágico de felicidade eterna.'
quando tentei beijá-lo lá pelos meus 11 anos, ele ficou inerte. não trocamos uma palavra por seis meses. eu não sabia que as coisas funcionavam por uma dialética que ignorava o amor fraterno - sim, era fraterno: 11 anos - eu não sabia que o amar tinha restrições. ele não contou á ninguém. voltamos a nos falar e subvertemos. nada havia acontecido. tirando o fato dele me boicotar em algumas cenas da vida real. já não tomávamos banho juntos e nem dormíamos na mesma cama.
'marcelo, bota quanto de gasolina?'
'ah, enche o tanque.'
'vamos pra onde marcelo?'
marcelo me olhou como a muito não olhava. deitou a ponta de seus dedos em meu rosto. quase entreguei o amor foragido. chegou o mais perto que pôde - maldito cinto de segurança - e disse-me em tom melindroso: espera, morena.
1 Comentários :
Poxa vida... Eu entrei muito feliz no blog e saiu um pouco triste. Triste de não ver comentários pra tanta coisa boa. Sei lá, mas adoro essa sua literatura, que (não me leve a mal se essa não é a intenção, ao meu ver, é tão desligada de regras, por vezes suja, que encanta e fragiliza quem passa. Espero que as pessoas descubram esse blog, realmente espero. E obrigado por dedicar o post para mim! rsrs
Beijos
Vithor Torres
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