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Eu sou um clichê; Pedinte, andarilho e cego. Vou cuspindo palavras sem nexo Até você entender... que eu não faço parte disso.
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domingo, 18 de abril de 2010
UM CONTO PARA UMA BOA MOÇA I
postado por . @ 07:25 2 Comentários
é preciso ser conciso e hermético, meus caros leitores. e desmistificar todo e qualquer resquício de esperança ou expectativa e/ou bobagens que inventaram - tamanhas - sobre céu, inferno e afins.
vou contar-lhes a minhas história, ou melhor, a parte que julgo mais interessante de um velho pintor e sua vida desgraçada.
nasci em montpellier. vivi em montpellier. morri em montpellier.
era um homem comum, não fosse por tal rebuscamento chamado de arte, seria um qualquer um, que trabalhava horas a fio a fim de subverter qualquer sentimentalismo exacerbado, ou fazer ser entendido através das frustrações artísticas - de fato, sendo assim - não poderia ser considerado um artista, pois vivia entre as telas pintadas, entre a tela e o pincel. não tinha imaginação para tal feito: vivia e transpassava, de modo como via, sentia, enxergava.
era um gato de rua. um gato de rua vagabundo, leviano e cheio de amor para dar.
minhas mulheres se entendiam, se amavam, me amavam e eu sempre estive muito satisfeito com o poder mágico das teias sociais. 'esse desenrolar das aranhas enfeitiçadas, esse tenro amor-sóbrio, as tardes claras de gemidos cálidos, as manhãs de hálito almost-pure' - me encantavam.
era cético - quanto ao amor - até apaixonar-me a primeira vez. laura me deu liga á inconsistência em que eu me encontrava. era como um tufão de verão. suas pernas, suas coxas - seu cabelo avermelhado pousando sobre meu peito - suas idéias confusas difusas em minhas idéias prolixas. e quanto mais louco, e quanto mais triste, e quanto mais eu; mais ela caminhava até mim. jurava ter descoberto a dialética do amor: 'ela vem da minha loucura. das lágrimas. quanto mais difuso, mais ela renasce: linda, ruiva, casta. e mais ela me quer. e mais nós nos queremos.'
e essa dialética confusa sobre o tal chamado amor era séria. dava conselhos aos miúdos: 'não há de se preocupar com tais enfermidades. o amor só se pousa em loucos, desvairados;ou poetas e pintores - que nos dá no mesmo. se não te julgas como tal, não era amor.'
minhas telas sempre cheias de antagonismos, loucuras, venialidade: fiz do amor louco de laura (que tinha por laura, que poderia imaginar o louco amor que tinha por mim) um negócio lucrativo.
'então és capaz de amar' - diziam-me e, confesso, feriam-me mais do que tudo. amar nos dá credibilidade. nos torna real. nos descabela, então sabemos que somos capazes de ser despenteados.
nunca neguei tal fato, nunca pus-me ao meio, de peito aberto a gritar: 'sou incapaz de amar, irmãos' - talvez a má fama tenha vindo de minhas muitas mulheres - e diga-se de passagem, amava todas com o mesmo carinho com que me amava - e de muitos corações partidos; o amor egoísta.
julgavam-me incapaz de amar, e era tão dolorosa a aceitação de que me vissem assim: pois era eu quem cuidava das flores, eu quem cuidava do amor de muitas mulheres de montpellier. entregava-me um botão, que modéstia a parte, ia-se abrindo feito uma rosa rara num campo a esmo. quem mais do que eu para saber amar?
apaixonei-me, assim, feito por laura - de arrebatar-me o ar, arrancar-me os dentes e sufocar-me o estômago - três vezes.
na primavera de 1888, apaixonei-me pela quarta vez. não teria a prepotência de dizer-lhes que era diferente, que meu coração saltitava de maneira aguda e dolorida, ou que apenas saltitava num azul-amarelo infinito - não - eu sabia que era paixão, que subia um fervor em meu olhar, quando olhava seus pequenos gestos ao pegar uma xícara de café e mexer lentamente o chá. não havíamos trocado uma única palavra; ela sentava confortavelmente á minha diagonal e eu, um velho indigesto sentado de maneira qualquer, fumando um cachimbo qualquer, fingindo prestar atenção nas palavras esganiçadas de velma thompson - 'como sou medíocre' - confessei-me - 'estou numa tarde infantil incitando meu lado passional. tenho de marcar a hora em que descobri tal fatalidade' - divertia-me em saber que possivelmente viria a cortejá-la a noite toda.
fomos apresentados, bem mais tarde do que eu poderia prever, pela própria anfitriã: senhora thompson.
'já ouvi muito sobre o senhor, Dorléac' - ela tinha os lábios arroxeados e carnudos; sua intonação de voz era límpida, olhou-me dos pés a cabeça - quase soou em seu olhar hermético, como um desdém.
'e o que ouviu sobre mim de tão desdenhoso assim, para olhar-me dos pés á cabeça?'
'desenhoso? ora, desculpe-me senhor Dorléac...' - a interrompi bruscamente: 'franco, por favor.'
'me perdoe, mas prefiro manter total respeito, senhor dorléac. desculpe-me pelo olhar incisivo, vinha reparando que seu cachimbo é de mesmo tom de seus sapatos, e subitamente fui inebriada pela lembrança de papai, perdoe-me.' - ela mantinha uma postura dura, mesmo que seus olhos a entregassem completamente.
'charlotte - disse-lhe - não estás com frio?'
'frio, senhor dorléac?' - olhou- me novamente com seu ar de desdém; de menina prodígio, do alto de sua torre de marfim; bebendo vinho e dividindo com seu súdito a garrafa em cima da mesinha.
e eu a conheci ali, e marquei exatamente o dia, a data e as horas em que pousei - mais uma vez - meu amor.
necessitava de estímulos para novos quadros - não nego - necessitava de ares diferenciados; ser desafiado por uma figura feminina, ser vassalo, sofrer. necessitava de tais ferramentas, era preciso - era a boa e velha dialética do amor: inspirações.
charlotte era encantadora, havia algo de impenetrável em seu espírito, como se a cortejar eternamente fosse necessário, e óbvio, se fosse tal merecedor de suas brechas, poderia me considerar o homem mais feliz do mundo.
definitivamente deixei meu amor pousar no colo de senhorita charlotte duchamp; era de total conveniência, necessário - era de arregaçar as mangas, fazer sofrer - iria cortejá-la a meu próprio favor: era minha nova condição.

II

era sempre muito furtivo passar tardes a conversar com charlotte, apesar de seu muro - quase intolerável - imposto subjetivamente. ela tinha uma crosta de frieza que era quase impiedosa, chegava a machucar-me, cortava-me a pele. eu não entendia por que tanta frieza, já que eu lhe era tão amável e amigo, e tão compreensível. mas sabia que me era imposto como condição, e um sorriso que fosse transcendente do rosto ás vezes tão amargo, era de uma alegria minimalista quase que indescritível.
comecei a repará-la nos gestos mínimos: no caminhar, gesticular de braços, a maneira como respirava ofegante, a forma como enrolava seus cabelos nos dedos, como seu colo transpirava de maneira exacerbada á luz do sol. eu seguia um quadro humano, um quadro de beleza duvidável a olhos nu - mas que ainda assim me encantavam ainda mais.
comecei a tirar alguns sorrisos sinceros de charlotte, algumas piscadelas e alguns sentimentalismos antes não vistos. e ela me contava coisas sobre sonhos, seus desejos, sua vontade imensa de seguir a vida sozinha e sobre suas pintas - várias - em seu corpo, e quanto as odiava; e eu, mero mortal, que a cada dia a admirava mais e mais, amava suas pintas que pintavam todo aquele corpo flácido e branco.
mesmo com toda minha admiração estampada no peito, mesmo com todo meu amor sendo erguido em bandeira a punho, charlotte estava distante, se mantinha distante por alguma razão desconhecida. eu já conseguia, de certa maneira, sofrer por ela. sentia vontade imensa de visitá-la aos finais de semana, porém continha-me: era necessário deixar a saudade transbordar, e imaginar que qualquer outro homem do mundo seria capaz de levá-la para a cama, ou melhor, no caso de charlotte: que qualquer homem lhe tirasse um sorriso sincero.
eu era capaz de imaginar um transeunte qualquer em cima de charlotte, eu precisava sofrer. beijando-lhe os seios, pousando suas coxas flácidas em seu dorso tão masculino; ah, como sofria! e como era tão necessário, e como era tão bom!
apertava-me o peito os dias em que não via charlotte, é como se nutrisse algo da falta, do não ter - não possuir. a saudade que transbordava me inundava ás avesas. passei a vê-la aos finais de semana: era preciso. minhas histórias estavam a ficar sérias de mais, e imaginava um criado tão negróide em cima de charlotte a beijar-lhe o ventre, e a foder-lhe como um selvagem. imaginava os gritos e gemidos nada discretos, o balançar da cama e a hora exata no gozo. a visão de charlotte latejando me embulhava o estômago. eu a desejava, sim, eu a desejava: dentro de mim, só de mim - só de mim.
queria foder-lhe até os ouvidos, queria rasgá-la, comê-la, penetrar em seus segredos mais fundos, fazer de suas entranhas minha morada noturna...
e os segredos de charlotte? quais eram seus segredos? por que era tão frígida, tão calada? tão híbrida? eu queria derrubar o muro de marfim que a separava de mim, queria derrubá-lo com uma caralhada só.
não era mais preciso incentivar a imaginação: eu via charlotte nas esquinas, vendendo o corpo, atirando beijos aos andarilhos, sussurrando vulgaridades pelo ar. e para mim? para mim ela conservava a insipidez dos sorrisos sinceros, o pudor das mães e vós. para mim ela conservava o ventre seco. a mão na mão.
e eu suava ao pensar que aquela mão já havia percorrido milhas e milhas...
a febre subia-me a tez, como era possível a vida ser tão desgostosa assim? era possível não ser correspondido? eu era peça de enfeite aos finais de semana - por que toda mulher que me pareça, precisa de alguém que lhe dê a mão - definitivamente: eu era o bobo da corte.
sabiam todos que eu era um joguete da alta sociedade? viam-me com outros olhos? compaixão? piedade

2 Comentários :

Blogger Amanda Arrais disse...

'...Nos descabela, então sabemos que somos capazes de ser despenteados.'
Fato isso! Gostei muito dos muitos-amores e do espanto diante o amor à Laura. Bem bonito!

18 de abril de 2010 às 15:19  
Blogger May Stéphane disse...

Margot, cadê você?

21 de abril de 2010 às 00:53  

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