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Eu sou um clichê; Pedinte, andarilho e cego. Vou cuspindo palavras sem nexo Até você entender... que eu não faço parte disso.
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sexta-feira, 23 de abril de 2010
CARTEIRO#1
postado por . @ 20:21 1 Comentários
Eu gosto do carteiro. Acho que o nome dele é Jorge.
A diversão de Jorge é procurar casas pra alugar: Só pra ver. E se masturbar em todas elas. Em todos os cômodos.
Jorge é alto. Moreno/claro. Usa um óculos velho. Se veste basicamente com roupas doadas.
Fuma cigarro de palha. Fuma também um velho cachimbo que sua namorada lhe deu. Sua única namorada.
Ela morreu afogada. Eles estavam juntos. Ela pediu ajuda, mas ele ficou inerte. se sente imponente até hoje. Sente culpa.
E um dia Luíza – sua vizinha - coloca 'half a person - smiths' para tocar. Jorge olha pela janela. Ele morava lá havia dois anos. E ela: toda a vida.
Gosta de blues, pois seu avô gosta de blues. Joga bilhar com dois velhos senhores dos correios.
Admira sua vizinha: Luíza. Cursa direito, e sempre sai quando ele chega. Ele observa suas pernas finas, e sua cintura.
Luíza é tão acessível. Ela é tão real. Magra. Olhos claros. Cabelos negros. Nariz avantajado. Um culote um pouco fora dos padrões.
Ás vezes Luíza o encara, e diz um 'oi.' - ele sente que tudo pode, naquele 'oi'.
Jorge já arrumou a TV da mãe de Luíza, que agradeceu com um chá. para azar de Jorge, Luíza estava na faculdade.
Luíza fica com um cara da academia. Jorge fica possesso quando vê o cara buzinar de carro, e abraçá-la de maneira lenta e libidinosa.
Há uma senhora gorda que lhe dá prazer, ás vezes. Celeste. Uma professora do primário, que ele conheceu num chat da bol.
Jorge é seu preferido. Sua pele clara, e seus olhos escuros, fazem lembrar Ataulfo, seu primeiro amor.
Sem contar que Jorge, lhe conta histórias sobre “guerras e frança”. Celeste ama a frança.
Celeste, 45 anos, nunca casou. Sua heroína é Beauvoir. Acha que todas suas relações são 'sartreanas'.
Jorge a faz feliz: quinzenalmente. E ela se contenta com migalhas.
Jorge observa - numa noite - Luíza trocar de roupa. Seios pequenos. 'cabem na palma da mão' - pele mais clara: marcas de biquíni.
Essa noite Jorge não se masturba. Vela Luíza e seus seios reais. Pequenos. E tão rosados.
Noutro dia ele mal consegue dizer: 'oi'. Sente-se á vontade ao divagar: 'ela usa bojo. '
Jorge é entregador dos correios. Eventualmente abre cartas.
Angelina é uma velha senhora que cuida de seu marido aleijado. Seu amado é Lourival. Que manda semanalmente cartas. de Teresina.
Mirna é uma senhora que recebe cartas de seu filho na frança. Jorge desconfia que Matheus, seja garoto de programa.
Dois cachorros assombram Jorge. O da Oswaldo aranha: Laila, um poodle de menos de 6kg, braba feito um leão.
E Edgar: um Cocker arisco com homens. Sua dona: Mirian; vive oferecendo copos d'água.
Mirian, que é uma poetiza decadente e que recebe cartas de caio, seu amado-amigo, já foi amante eventual de Jorge.
Romperam três semanas depois: mirian era ciumenta.
Ela era bonita. Não aparentava a idade que tinha. Exceto pelas exacerbadas rugas em volta dos olhos.
Doralice - sua companheira de trabalho - separava as cartas em escaninhos. Trabalho anterior: locadora.
Doralice tem toc. Realiza todos os seus 42 toc’s diários. Inclusive pensar em todos os seus companheiros de trabalho nus.
Numa das idas eventuais de Jorge a imobiliárias ele encontra Luíza. 'o que faz aqui?' - 'procuro casa pra morar, e você?' - 'o mesmo’.
Luíza diz- tom desapegado: 'minha mãe é o diabo. Preciso ter minha vida. Minhas coisas. Preciso desenhar o SIM da yoko no teto da minha cama'.
Jorge se apaixona pela décima quinta vez. Mal espera poder pousar suas coxas entre as coxas da mulher desejada.
'por que será que ele é tão sozinho' - divaga Luíza em seu quarto. 'abro a janela e deixo ele me ver?' - compaixão. 'eu gosto de seu sorriso. '
Luíza é coberta por uma compaixão sóbria e concisa. 'Jorge em minha cama. Madeira-polida. '
Enquanto celeste corrigi prova. Doralice assiste 'onde os fracos não têm vez' e Mirian alimenta o cachorro. Jorge perde o despir de Luíza.
Little wing começa a tocar. Jorge lembra sua infância. Ascende um cigarro de palha e adormece. 'eu sou um nada’.
”Sorriso de Jorge é maravilhoso. é como um despertar ás 10 da manhã de uma segunda de feriado” – divaga Doralice ao pensar em Jorge enquanto escova seus dentes.
Jorge usa um sabonete - não usa perfume, nem desodorante - usa phebo.
‘Inocência talhada de Jorge, me desperta uma curiosidade-mor’ - pensa sua companheira de trabalho – Doralice.
Doralice gosta de Godard. Cerejas industrializadas. Cheiro de chuva. Unhas: descascadas. Primavera. Placebo.
Jorge gosta de histórias. Azeitonas. Cheiro de gasolina. Unhas: cortadas. Inverno. Beatles.
Luíza gosta de Almodóvar. Frutas cristalizadas. Cheiro de acetona. Unhas: vermelhas. Outono. Smiths.
Doralice começa a sentir explosões na boca do estômago. 'é tumor' - pensa ela. Fazendo uma analogia boçal com 'amor'.
Jorge freqüenta um sebo no centro. Troca compra - conversa com seu Sérgio. Um velho conhecedor de livros, dono do sebo.
Vai hermeticamente as segundas. Sergio sempre reclama dos domingos, com um hálito de álcool. 'esses domingos são insípidos demais, meu jovem. '
Há uma menina que freqüenta o sebo, ás segundas também. Nunca trocaram uma palavra. Acenos com a cabeça.
Alta e tímida. Tem dentes pequenos e sorriso largo. Jorge pensa se seus cabelos são pintados ou naturalmente ruivos.
'ela não deve ter nem 17 anos...' - só leva livros de auto-ajuda e clássicos da literatura - 'e os pêlos pubianos?'
17 de janeiro. 17:56 - saindo do trabalho. Doralice acena com as mãos 'tchau'. - por que tchau, quando é falado rápido, parece 'te amo'?
Jorge pensa em passar no supermercado. Coloca seu mp3: Fiona Apple, Los Hermanos, Regina spektor: City and Colours.
Oliveira - um colega dos correios - o chama para uma jogatina: recusa. leva três cartas no bolso. Grossas - dona Cristina. Emília e Getúlio.
00:22: preciso de um cara. 1:46: preciso de um cachorro. 2:27: preciso de uma samambaia.
Doralice aluga 12 DVDs para o final de semana. Jorge compra maconha, lasanha e vodka. Luíza cobra 350,00 por tcc sobre pedagogia.
Sábado de manhã Jorge toma café com seu avô; ás 7:35. seu Nelson veste um colete marrom, calças cáqui, cinto preto; chinelo com meias.
E nem um fio de cabelo solto daquele monte de fios brancos. - 'parece algodão doce.'
Jorge lamenta suas entradas e seu cabelo fino.
Doralice não aceita a idéia de morrer antes de ver um anão.
Luíza, ás vezes, acorda ás quatro da manhã e vai dormir ás oito. Gosta de ler enquanto sabe que outros dormem: 'mas e se alguém estiver nesse mesmo trecho que eu?'
Jorge gosta de fumar de cócoras na cozinha. Poe Supertramp para tocar. Luíza escuta de seu quarto e cantarola enquanto escuta.
Doralice compra seu primeiro cigarro: free mentolado. Pensa em Jorge. Que pensa em Luíza. Que pensa em sair de casa.

1 Comentários :

Blogger Torres disse...

Preciso dizer que gostei da história ou já disse isso milhões de vezes quando a vi pela primeira vez sendo escrita, tweet por tweet, no seu twitter? Valeu por ter colocado no seu blog! Não sei se você se classifica assim, não sei nem se se classifica, mas essa sua literatura alternativa, à Glauber Rocha, é show!

22 de maio de 2010 às 07:36  

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