sábado, 27 de fevereiro de 2010
TALHANDO A DOR
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03:35
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sofri quatros horas - acho que tentava expelir algo que não era complacente com a realidade médica obsoleta, tanto faz.
ela foi me buscar, no seu carro muito macio; mas o estopim dos pensamentos tão guardados e a ânsias incubadas já tinham esvaído na cama - com o ranger da cama e aqueles gemidos que saem da dor, do prazer da dor - indo.
( a dor só passava quando fazia movimentos repetitivos; do tipo: ficar como um feto me balançando. o ranger da cama era uniforme e estranhamente me reconfortava)
ela me dizia:
- você está ovulando?
'dirije e olhe pra frente mulher!' - não sei.
- quando você fica 'naqueles dias'?
- hum, dia 12, eu acho.
- ah, não há de ser nada, você deve estar ovulando!
- bom, é. - nem pensei que tivesse algo, ela está me reconfortando...será que...
- ah, se bem que pelo que sei...isso deve ser alguma 'coisa psicosomática'; sabe, quando estou muito nervosa, tenho dores de cabeça, por que você sabe, quando estou nervosa com trabalho a dor de cabeça agrava; não é como estar apaixonada, que me dá um cólica, do tipo menstrual, e que me dói a pelves, e que me dá vontade de ir ao banheiro, não é assim - ah, não tenho isso, aliás, não terei mais, e será condição, pois não quero mais saber do seu tio, é sério, agora é mais que sério - será que você não está guardando coisas? você tá com dor na pelves? você disse que é cólica, né?
- pois é... - disse eu, quase não acompanhando o raciocínio rápido e totalmente sagáz; um calmante, por favor! e clamava pr'a que ela, pelo menos, olhasse pra frente.
- olha, eu acho que, assim, claro, pode ser rins; mas há de ser psicosomática. sério, há de ser.
você tem guardado algo? você está apaixonada? você anda sofrendo por amor?
- que eu tenha consiência...não. sacanagem mirian, não ando não.
- sério? você é tão jovem, deveria desfrutar do...
- do quê? dos 'bunscopan's na veia?' tá maluca mirian? rs
- faz parte da vida, carol!
- acha que sofrer é amar de mais?
- faz parte, o amor cresce!
- sra massoquista, tem uma vaga ali - pode me deixar ali, eu vou.
- claro que não, vou te levar - trava a porta.
- o que eu vou dizer?
- deixe comigo.
acho um problema esse deixa comigo, mamãe sempre resolveu as coisas quase no grito, deve ser condição de 'mães'
- vou sentar aqui, mirian.
- ok, eu vou fumar lá fora, tá tudo certo. você é a terceira a ser chamada.
- beleza.
sento, sinto aquele cheiro de cigarro mentolado dela - por que ela não fuma um cigarro 'normal' - tenho a impressão de que ela é uma eterna adolescênte.
- minha filha, você não acha que esses bancos são muito escorregadios?
- oi? desculpa, o senhor falou comigo?
- é. esses bancos são tão escorregadios, né?
- é?
- eu tomo quatro remédios pra pressão, que senhor caio deu, sabe o caio? aquele médico famoso? ali da esquina filha.
quanto mais eu franzia a testa, mais ele tentava explicar - em vão - quem era esse tal caio.
- não sei não, senhor.
- sabe esse um e noventa e nove que tem aqui?
- sei sim
- pois tem uma rua paralela, é nessa rua paralela, o doutor caio!
- ah claro, o caio!
quando duas pessoas concordam o assunto morre.
geralmente eu adoro esse típo: chapéu de 'páia', uma calça de jeca, havaianas old-school (azul-branca), um cinto, camisa verde, sem alguns - os principais -dentes, sorriso largo, quase infantil, ingênuo. mas não estava muito bem pr'a levar um longo papo sobre os bancos que são escorregadios, não estava mesmo...
- o caio é tão bão pra gente.
- pois é, escutei dizer o mesmo!
- isso dói?
- oi? como assim?
- esse negócio na sua boca
- aparelho?
- é
- dói não
- parece que machuca
- ás vezes corta
- e não dói? como corta e não dói?
- vai ver sou masoquista. suporto essa dor; meus dentes ficarão perfeitos ao final, acho que vale a pena, não?
- vai ver é como o amor
- como?
- vai ver é como o amor
o nome do véio matuto é chamado - antes que eu pudesse contra-argumentar o que ele jogou pra mim: josé oliveira silva
- pois eu vou minha jovem, melhoras, fique com deus.
ele demorou até chegar á porta de entrada dos consultórios; andava curvado, pés arrastados.
'que clichê' pensei, enquando vi mirian se aproximar, com aquele hálito de cigarro-infantil-mentolado.
- você tá melhor?
- um pouco.
- aquele senhor ficou falando com você, eu fumei rápido pra vir; esses velhos não se importam, só querem falar, falar...essa carência.
como se ela não ligasse de duas em duas horas pr'a mamãe.
- pois é, essa tal carência...
Carolina, quem é Carolina?
mirian grita como um pseudo-mãe louca: 'posso entrar com ela'
- não.
ela se recolhe á insignificância.
- não há de ser nada, carol.
aquele risinho básico, do tipo: não É nada.
um médico que nem olhou pra mim, apalpou minha barriga e perguntou: dói?
'agora não mais' - fitei-o com um olhar quase meléfico.
- você bebe água? - disse ele, procurando fechar a frase com meu nome, mas não achava o papel onde estivesse escrito
- carolina, meu nome. não, eu esqueço, passo dias sem beber. não faço muita questão...
- pois terá de passar a fazer. é a fonte da vida! terá de tomar água.
- tá bom.
- vou pedir uns exames, pode ser rim. há casos de pedra nos rins na família?
- consideravelmente.
- pois então, faça o exame e volte, tudo bem?
- tudo ótimo.
- vou te passar uma medicação pra você se sentir melhor, mas...na vida há duas coisas que não podemos passar sem
e ele me olha com piedade e compaixão
- amor e água
- amor e água?
- é. lembre-se disso.
- pois é, eu acho que vou lembrar.
- aqui carolina. fique com deus, espero não te ver tão cedo.
- idem. idem, obrigada.
foi longa a divagação entre a sala de consultas até a sala de espera, onde mirian estava sentada, aflita e surpresa, por a consulta não ter demorado nem dez minutos.
- o que foi?
- nada.
- mas o que ele disse?
- que eu precisava de amor e água
- quê?
- que eu não bebia muita água, devo beber. pode ser rins, como pode não ser nada. me mandou fazer exames.
- eu disse que não era nada!
- pois é.
- vamos comer? tô com fome...
- vamos
- eu sabia carol, essas dorezinhas só se agravam quando estamos só em casa. é o medo de morrer só. não estou tirando a dor que sentiu, claro que não, mas o medo de morrer só talha nosso medo, nossa dor.
- e o que tem pra comer lá na sua casa?
preciso subverter...ela precisa parar de fazer essas analogias tétricas.
- abóbora, lentilha...mandioca frita.
'comida de velho' pensei eu, mas ri, afinal há tempos não comia comida de verdade.
- delícia.
- o que você tem comido em casa?
- nada, não sei cozinhar direito, tudo fica ruim.
- você come só, né? todo mundo trabalhando...eu acho chato comer só.
- eu também, mas laila sempre tá lá.
- gaspar também.
rimos.
- e o gaspar, como anda?
- ah, ele está com umas pulgas - mas tá usando aquelas colerinhas, sabe?
- sei sim. a laila tá com alergia, acho que é o calor...o pêlo dela fica avermelhado, de tanto ela coçar...
ela foi me buscar, no seu carro muito macio; mas o estopim dos pensamentos tão guardados e a ânsias incubadas já tinham esvaído na cama - com o ranger da cama e aqueles gemidos que saem da dor, do prazer da dor - indo.
( a dor só passava quando fazia movimentos repetitivos; do tipo: ficar como um feto me balançando. o ranger da cama era uniforme e estranhamente me reconfortava)
ela me dizia:
- você está ovulando?
'dirije e olhe pra frente mulher!' - não sei.
- quando você fica 'naqueles dias'?
- hum, dia 12, eu acho.
- ah, não há de ser nada, você deve estar ovulando!
- bom, é. - nem pensei que tivesse algo, ela está me reconfortando...será que...
- ah, se bem que pelo que sei...isso deve ser alguma 'coisa psicosomática'; sabe, quando estou muito nervosa, tenho dores de cabeça, por que você sabe, quando estou nervosa com trabalho a dor de cabeça agrava; não é como estar apaixonada, que me dá um cólica, do tipo menstrual, e que me dói a pelves, e que me dá vontade de ir ao banheiro, não é assim - ah, não tenho isso, aliás, não terei mais, e será condição, pois não quero mais saber do seu tio, é sério, agora é mais que sério - será que você não está guardando coisas? você tá com dor na pelves? você disse que é cólica, né?
- pois é... - disse eu, quase não acompanhando o raciocínio rápido e totalmente sagáz; um calmante, por favor! e clamava pr'a que ela, pelo menos, olhasse pra frente.
- olha, eu acho que, assim, claro, pode ser rins; mas há de ser psicosomática. sério, há de ser.
você tem guardado algo? você está apaixonada? você anda sofrendo por amor?
- que eu tenha consiência...não. sacanagem mirian, não ando não.
- sério? você é tão jovem, deveria desfrutar do...
- do quê? dos 'bunscopan's na veia?' tá maluca mirian? rs
- faz parte da vida, carol!
- acha que sofrer é amar de mais?
- faz parte, o amor cresce!
- sra massoquista, tem uma vaga ali - pode me deixar ali, eu vou.
- claro que não, vou te levar - trava a porta.
- o que eu vou dizer?
- deixe comigo.
acho um problema esse deixa comigo, mamãe sempre resolveu as coisas quase no grito, deve ser condição de 'mães'
- vou sentar aqui, mirian.
- ok, eu vou fumar lá fora, tá tudo certo. você é a terceira a ser chamada.
- beleza.
sento, sinto aquele cheiro de cigarro mentolado dela - por que ela não fuma um cigarro 'normal' - tenho a impressão de que ela é uma eterna adolescênte.
- minha filha, você não acha que esses bancos são muito escorregadios?
- oi? desculpa, o senhor falou comigo?
- é. esses bancos são tão escorregadios, né?
- é?
- eu tomo quatro remédios pra pressão, que senhor caio deu, sabe o caio? aquele médico famoso? ali da esquina filha.
quanto mais eu franzia a testa, mais ele tentava explicar - em vão - quem era esse tal caio.
- não sei não, senhor.
- sabe esse um e noventa e nove que tem aqui?
- sei sim
- pois tem uma rua paralela, é nessa rua paralela, o doutor caio!
- ah claro, o caio!
quando duas pessoas concordam o assunto morre.
geralmente eu adoro esse típo: chapéu de 'páia', uma calça de jeca, havaianas old-school (azul-branca), um cinto, camisa verde, sem alguns - os principais -dentes, sorriso largo, quase infantil, ingênuo. mas não estava muito bem pr'a levar um longo papo sobre os bancos que são escorregadios, não estava mesmo...
- o caio é tão bão pra gente.
- pois é, escutei dizer o mesmo!
- isso dói?
- oi? como assim?
- esse negócio na sua boca
- aparelho?
- é
- dói não
- parece que machuca
- ás vezes corta
- e não dói? como corta e não dói?
- vai ver sou masoquista. suporto essa dor; meus dentes ficarão perfeitos ao final, acho que vale a pena, não?
- vai ver é como o amor
- como?
- vai ver é como o amor
o nome do véio matuto é chamado - antes que eu pudesse contra-argumentar o que ele jogou pra mim: josé oliveira silva
- pois eu vou minha jovem, melhoras, fique com deus.
ele demorou até chegar á porta de entrada dos consultórios; andava curvado, pés arrastados.
'que clichê' pensei, enquando vi mirian se aproximar, com aquele hálito de cigarro-infantil-mentolado.
- você tá melhor?
- um pouco.
- aquele senhor ficou falando com você, eu fumei rápido pra vir; esses velhos não se importam, só querem falar, falar...essa carência.
como se ela não ligasse de duas em duas horas pr'a mamãe.
- pois é, essa tal carência...
Carolina, quem é Carolina?
mirian grita como um pseudo-mãe louca: 'posso entrar com ela'
- não.
ela se recolhe á insignificância.
- não há de ser nada, carol.
aquele risinho básico, do tipo: não É nada.
um médico que nem olhou pra mim, apalpou minha barriga e perguntou: dói?
'agora não mais' - fitei-o com um olhar quase meléfico.
- você bebe água? - disse ele, procurando fechar a frase com meu nome, mas não achava o papel onde estivesse escrito
- carolina, meu nome. não, eu esqueço, passo dias sem beber. não faço muita questão...
- pois terá de passar a fazer. é a fonte da vida! terá de tomar água.
- tá bom.
- vou pedir uns exames, pode ser rim. há casos de pedra nos rins na família?
- consideravelmente.
- pois então, faça o exame e volte, tudo bem?
- tudo ótimo.
- vou te passar uma medicação pra você se sentir melhor, mas...na vida há duas coisas que não podemos passar sem
e ele me olha com piedade e compaixão
- amor e água
- amor e água?
- é. lembre-se disso.
- pois é, eu acho que vou lembrar.
- aqui carolina. fique com deus, espero não te ver tão cedo.
- idem. idem, obrigada.
foi longa a divagação entre a sala de consultas até a sala de espera, onde mirian estava sentada, aflita e surpresa, por a consulta não ter demorado nem dez minutos.
- o que foi?
- nada.
- mas o que ele disse?
- que eu precisava de amor e água
- quê?
- que eu não bebia muita água, devo beber. pode ser rins, como pode não ser nada. me mandou fazer exames.
- eu disse que não era nada!
- pois é.
- vamos comer? tô com fome...
- vamos
- eu sabia carol, essas dorezinhas só se agravam quando estamos só em casa. é o medo de morrer só. não estou tirando a dor que sentiu, claro que não, mas o medo de morrer só talha nosso medo, nossa dor.
- e o que tem pra comer lá na sua casa?
preciso subverter...ela precisa parar de fazer essas analogias tétricas.
- abóbora, lentilha...mandioca frita.
'comida de velho' pensei eu, mas ri, afinal há tempos não comia comida de verdade.
- delícia.
- o que você tem comido em casa?
- nada, não sei cozinhar direito, tudo fica ruim.
- você come só, né? todo mundo trabalhando...eu acho chato comer só.
- eu também, mas laila sempre tá lá.
- gaspar também.
rimos.
- e o gaspar, como anda?
- ah, ele está com umas pulgas - mas tá usando aquelas colerinhas, sabe?
- sei sim. a laila tá com alergia, acho que é o calor...o pêlo dela fica avermelhado, de tanto ela coçar...
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